Venezuela: o desastre anunciado iniciou-se há 60 anos...
Apesar de já estarmos (quase) todos convencidos que foi o regime de Hugo Chávez e seu sucessor, o sindicalista Nicolas Maduro, o principal responsável da tragédia económica e social que vive hoje a Venezuela, uma resumida análise histórica do país mostra que as suas atuais características relacionadas com a política económica têm raízes bem mais antigas e, uma pesquisa atenta ao caminho traçado pelo país nos últimos 60 anos permite-nos compreender como foi possível ter chegado à sua atual e lastimável situação, uma vez que o bolivarismo não foi de todo um acidente fortuito e totalmente inesperado, mas sim o resultado natural das sementes da destruição da Venezuela que foram plantadas exatamente durante os seus “tempos bons”.
A situação do país no período pós – independência foi completamente alterada pela descoberta de petróleo no início do século XX e a até então poderosa aristocracia agrária oriunda do tempo do colonialismo foi substituída por uma classe industrial que abriu o mercado petrolífero da Venezuela aos investimentos estrangeiros e à sua exploração pelas multinacionais, fazendo com que pela primeira vez na sua história, o país tivesse uma economia de mercado relativamente liberal, da qual colheu grandes benefícios nas décadas posteriores.
De facto, da década de 1910 até a década de 1930, e sob a governação musculada de Vicente Gómez, a economia venezuelana viveu um processo de modernização e consolidação ao permitir que investidores nacionais e estrangeiros explorassem livremente as recém-descobertas jazidas de petróleo, transformando o país num dos mais prósperos da América Latina na década de 1950 (aí, já com Pérez Jiménez no poder, a Venezuela chegou ao seu zénite, atingindo o quarto lugar no ranking mundial em termos de PIB per capita).
Apesar de toda a importância do petróleo, o que tornou a Venezuela próspera durante aquele período foi na verdade uma combinação formada por i) uma economia relativamente livre; ii) por um sistema de imigração que atraiu e assimilou mão-de-obra de Portugal, Itália e Espanha; e iii) por um robusto sistema legal que protegia os direitos de propriedade que permitiu à nação obter níveis sem precedentes de desenvolvimento económico entre as décadas de 1940 e 1970.
Apesar da prosperidade gerada pela então pujante economia da década de 1950, o governo de Pérez Jiménez atraiu a raiva dos ativistas de esquerda, muito por causa da sua mão pesada e repressora. O ponto de viragem ocorreu em 1958 quando esses ativistas, em conluio com militares simpáticos à causa, conseguiram derrubar e exilar Pérez Jiménez através de um golpe de estado do qual resultaram eleições ganhas pelo ex-comunista Rómulo Betancourt, pai de uma ordem política conhecida pelo “Pacto de Punto Fijo”, que mais não foi que um acordo firmado pelos dois principais partidos políticos do país (Acción Democratica e COPEI), do qual resultou as bases para uma ordem política explicitamente social-democrata/socialista no qual se concertou uma alternância no poder entre esses dois partidos que perdurou até Chavez.
O governo de Betancourt, embora ainda não tão intervencionista como viriam a ser os que o sucederam, implementou várias políticas socialistas como a desvalorização do bolívar; uma reforma agrária que estimulou invasões e ocupações de terra, roubando os direitos de propriedade privada dos donos de terras e o estabelecimento de uma ordem constitucional que impôs um papel ativo do governo venezuelano nas questões económicas.
O passo seguinte foi um enorme aumento de impostos (triplicando a taxa do imposto sobre o rendimento para 36%) e como consequência esperada e típica, este aumento de impostos estimulou o aumento dos gastos do governo, criando uma rotina de déficits orçamentais por causa dos crescentes e incontroláveis gastos com programas sociais, que passaram portanto a ser uma presença constante nas finanças públicas da Venezuela bem antes da era Chávez.
O sonho comunista de Betancourt foi finalmente conseguido em 1975, quando o governo de Carlos Andrés Pérez nacionalizou todo o setor petrolífero, naquela que foi a medida fundamental na alteração da natureza do estado venezuelano, pois transformou-o num “petro-estado”, no qual o conceito de “consentimento do governado” foi completamente invertido.
Os venezuelanos passaram assim da situação de pagar impostos em troca da proteção da propriedade e da manutenção de liberdades para uma outra oposta em que o Estado venezuelano assumiu um papel patrimonial de subornar os seus cidadãos com todos os tipos de benefícios e assistencialismos de modo a manter o seu domínio sobre eles. Como resultado, déficits orçamentais gerados pelos gastos crescentes tornaram-se a regra e passaram a ser aceites por toda a classe política pois nenhum político se atreveu a tomar alguma oposição sincera e ativa a esta prática.
De igual modo ninguém se opôs aos crescentes níveis de endividamento interno e externo e a economia ficou como que praticamente estatizada, sendo que nos períodos de alta do preço do petróleo gerava-se uma enorme entrada de divisas (petrodólares), que depois eram usados pelo Estado em majestosas obras públicas e em projetos sociais criados para anestesiar e pacificar a população, que estava já a sentir na pele os duros efeitos da rápida perda do poder de compra da sua moeda (inflação).
A triste realidade é que não havia nenhuma criação de riqueza real durante estes períodos de alta do petróleo e o que o Estado fazia era apenas redistribuir as receitas de acordo com a sua agenda e interesses políticos, usurpando de forma sistemática as funções tradicionalmente exercidas quer pela sociedade civil, quer pelos investidores privados.
Quando os políticos e burocratas passaram a controlar a economia, aconteceu aquilo que sempre acontece: todas as decisões importantes passaram naturalmente a obedecer aos interesses partidários e de agenda política e não às mais básicas regras de eficiência produtiva e de preferências dos consumidores, como deveria acontecer para o bem de todos.
Embora o resultado da nacionalização da indústria do petróleo não sido um imediato colapso económico para a Venezuela, foi ela a verdadeira causadora dos desacertos económicos e institucionais que foram depois vividos nas décadas de 1980 e 1990 e que foram decisivos para a criação de um ambiente propício ao surgimento de demagogos populistas como Chávez e Maduro, que souberam explorar a situação de real estagnação e declínio económico para obter ganhos políticos e chegar ao poder e por lá perdurarem.
O resto veio naturalmente e é a triste História com as histórias tristes que este Diário tão bem tem relatado...
PAULO PEREIRA , PRESIDENTE DA DELEGAÇÃO REGIONAL DA MADEIRA DA ORDEM DOS ECONOMISTAS