O Presidente da Direção Regional da Madeira da Ordem dos Economistas, Paulo Pereira, acredita que o endividamento que o Governo Regional irá ter para conseguir ter as contas equilibradas irá, no futuro, recair sobre os contribuintes. Dispensa a ideia de fundo perdido se não for para “usar maciçamente os Fundos Europeus para ajudar significativamente as empresas prejudicadas com a atual crise. Por isso, entende que não será bom caminho usar a máquina estatal e impostos para tirar de uns madeirenses para dar aos outros consoante a capacidade de pressão sobre os decisores. Uma análise ao que espera vir a ser o Orçamento Regional para 2021, mas olhando muito além disso.
O que espera do orçamento regional para 2021?
Do “Esperar” de “desejar”, espero um Orçamento que não comprometa negativamente o futuro através de criação e reforço de despesa corrente do Governo Regional que nunca mais é reduzida no futuro, independentemente do cenário económico onde se estiver for bom ou mau. Do “Esperar” de “perspetivar”, espero um orçamento marcado por um muito significativo disparar da dívida do Governo, independentemente dos fins e boas intenções a que se destina o dinheiro, que implicará de futuro mais impostos sobre a economia produtiva, retirando-lhe ainda mais competitividade, logo comprometendo o bem-estar das pessoas a médio prazo. Equilibrado será, como são sempre os orçamentos, pois o que faltar entre receita e despesa virá de dívida e nos futuros orçamentos, com as restrições que o excesso de dívida trará, mais carga fiscal. Bate sempre certo, é contabilidade, pelo que nesse aspeto as pessoas não precisam se preocupar.
A pandemia está a ter impacto na economia regional, este ano e para o próximo. Que áreas acha que são mais importantes/pertinentes para aposta?
Ouvimos dizer sempre que “são as empresas que geram a riqueza”. E isso é a mais pura da verdade, mas quase sempre não passa da retórica política e são sempre elas as massacradas/sacrificadas. Se queremos uma economia mais próspera e naturalmente resiliente para o futuro temos de motivar a geração de poupança local e, simultaneamente, atrair investimento externo para acelerar e compensar a falta de capital local. Não vejo outro caminho que não passe por uma política de curto prazo de redução significativa da carga fiscal sobre empresas e famílias e uma garantia (acordo entre os partidos que possam governar a RAM numa década, pelo menos) de estabilidade dessa baixa fiscalidade, independentemente de quem vier governar a RAM nesse futuro.
O Orçamento regional é muito direccionado às áreas sociais, nomeadamente a Saúde e a Educação. O Governo deve olhar para outras áreas? Quais?
Tudo o que sejam gastos do Estado advêem de impostos: os do ano do orçamento e os futuros que serão cobrados para se pagar os empréstimos agora pedidos para “tapar o buraco”. O ideal seria o Estado cingir a sua presença na economia ao básico que lhe é destinado: saúde, educação, justiça e segurança. E mesmo nestes, deve incentivar sempre que possível a concorrência privada. Todos ganham, todos, em especial os mais desfavorecidos, os tais que não há quem não diga que se preocupe com eles…
Faz parte de um organismo que olha, também, ao ‘big picture’ e não focalizado numa área específica. Acredita que a Madeira precisa de um Plano de Recuperação da Economia?
Está mais que demonstrado, intelectualmente e no terreno (desde a URSS até aqui, passando por todo o lado) que o cálculo e planeamentos económicos centrais são, no mínimo, ineficientes e destruidores de potencial de crescimento e alcance de bem estar das populações. Dito isto, e porque se exige “acção” política de qualquer maneira, defendo que os gastos públicos a fazer devem articular ao máximo o querer aproveitar ao máximo os fundos europeus com uma forte possibilidade de serem verdadeiramente produtivos no longo prazo e que não deixem custos de manutenção/necessidade de demolição para o futuro. O Plano deve passar por falar com o máximo de agentes económicos com interesse na nossa economia e saber/conseguir separar o que tem apenas resultado imediato (aquaparques/”monarinas”/etc.) do que trará riqueza real futura e apostar nas segundas.
Quais entende serem as principais preocupações das empresas e dos trabalhadores, tendo em conta todo o impacto esperado da pandemia da covid-19?
Os confinamentos e constantes ameaças de novas limitações ao normal funcionamento da vida das pessoas trazem travagens repentinas e demasiada incerteza à atividade económica e com ela recessão, perdas de capital e desemprego. Estes por sua vez têm como consequência uma perceção de risco muito agravada que mesmo para quem possa, trava investimento (por exemplo, no melhor cenário, grande parte dos projetos hoteleiros anunciados serão adiados sine die e as rent-a-car não vão comprar novas frotas tão cedo). É um ciclo negativo que se autoalimenta até um ponto, que não sabemos quando, em que os agentes começam a inverter as suas percepções de risco, começam a arranjar algum capital, decidem investir, e começa um novo ciclo de crescimento. O deixar a economia funcionar normalmente contribuirá decisivamente para essa viragem se aproximar. Até lá, temo que as bazucadas rebentem em grande número nos nossos pés…
E deve o Governo Regional continuar a apostar nas medidas de apoio à actividade económica, por exemplo dinheiro a fundo perdido às empresas em dificuldades?
Continuo a achar que dar pouco e tirar muito não é solução. Ou seja, seria mais lógico ter suspendido (não cobrar mesmo) durante ano/ano e meio os descontos para a Segurança Social das empresas afectadas, não cobrar qualquer PEC, baixar IVA, acabar com algumas das 4.000 taxas que são cobradas neste país bem como reduzir drasticamente a burocracia estatal. Isso sim fortalecia consumidores e empresas.
Os Fundos perdidos realmente merecem esse nome, pois são “perdidos” por alguém para que outros os recebam. Só concordo se fosse permitido usar maciçamente os Fundos Europeus para ajudar significativamente a fundo perdido as empresas prejudicadas (sem restrições). Uma espécie de “já que me mandaram parar, pelo menos paguem parte significativa deste desastre” e mesmo assim teríamos sempre consequências indesejadas. Agora usar a máquina estatal e impostos para tirar de uns madeirenses para dar aos outros consoante a capacidade de pressão sobre os decisores não me parece um bom caminho.
Sabendo-se que a Madeira também beneficiará do dinheiro da ‘bazuca’ da Europa para recuperar da crise em curso, é a oportunidade para a Madeira enveredar para um novo ciclo económico com novos ‘motores’ ou este envelope financeiro não servirá mais do que salvar o actual sistema?
Uma vez alguém disse que a Madeira será o que os madeirenses quiserem. Eu interpreto esse desígnio com os “madeirenses” sendo o aglutinar livre e voluntário do projeto de vida de cada um deles, com os seus sonhos, medos, ambições e preferência individuais. Não um projeto coletivo decidido por uma Liga de Ungidos composta por burocratas locais, de Lisboa e de Bruxelas.
Será positivo para todos se os fundos provocarem investimentos produtivos de médio longo prazo e se forem aplicados essencialmente pelos privados, conjuntamente com capitais deles em áreas onde acreditem que haja potencial e nelas queiram arriscar, coligado com investimento público essencialmente orientado para correção e manutenção de erros passados e real modernização/aumento da eficiência operacional (não de perseguição de direitos e liberdades) dos serviços do Estado.
Se forem usados pelo Estado apenas por “mero usar”, para “garantir as melhores taxas de execução”, para “mexer com a economia”, para “fazer circular moeda”, e o blá blá keynesiano do costume com a desculpa do santo graal do multiplicador, pouco mudará, senão a paisagem…
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