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António Mendonça, Bastonário da Ordem dos Economistas
O Bastonário da Ordem dos Economistas é um dos oradores convidados do fórum que decorre esta quinta-feira, no Funchal.
Antevendo aquelas que são as suas ideias para a Madeira, António Mendonça falou com o Diário e deixou claro que é urgente repensar o Turismo e a Economia regional, devendo a mudança incidir uma aposta na qualidade e na diversificação produtiva.
O também professor universitário e antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações entre 2009 e 2011, num governo socialista, propõe a criação de um fórum que deverá servir para “pensar” a economia madeirense a médio e longo prazo.
A economia portuguesa passa por um momento muito particular, marcada que está por uma crise pandémica e, logo depois, pela guerra na Ucrânia. Como podemos olhar para a situação que vivemos, em termos económicos?
Nós no fundo temos aqui uma sucessão de eventos, não apenas na economia portuguesa, mas ao nível internacional, na economia global, que podemos dizer que se iniciaram com a crise de 2007, passando para 2008 e 2009 e que se tem vindo, sucessivamente, a prolongar. Portanto, tudo devido a choques que podem ser considerados choques exógenos ao funcionamento da economia, mas que têm impactos muito significativos. Ainda não tínhamos recuperado completamente da crise de 2008/2009 e sofremos os impactos da pandemia. Depois, quando estávamos a recuperar da covid-19, temos o choque da guerra. Resta saber o que é que vai acontecer mais. Porque, de facto, tem sido uma sucessão de acontecimentos que têm tido consequências muito negativas, em termos da dinâmica económica, designadamente com períodos de, digamos, recessão bastante significativos.
Mas, por outro lado, é incerteza relativamente ao futuro. De facto, os elementos de incertezas são imensos e é muito difícil fazer prognósticos, sejam eles positivos ou negativos, porque tudo pode ser alterado em função das circunstâncias.
A economia portuguesa é apanhada, de certa forma, num processo de crescimento. Aliás, as perspetivas para a economia portuguesa eram bastante positivas, comparadas com aquilo que era a situação geral, em termos da Europa.
Estávamos com perspetivas de crescimento muito significativas. Aliás, os últimos dados apontam para taxas de crescimento superiores a 6%.
E essas perspetivas, digamos, essa grande dinâmica de crescimento, agora, no início do ano, pensamos que tenha suficiente força para continuar, mas há já a perspetiva de que existem fatores que impactam negativamente nessa dinâmica.
Mas, neste momento, a perspetiva é que ainda se mantenha um crescimento significativo da economia portuguesa durante este ano, muito, também, ligado à recuperação do turismo. E o turismo é válido para Portugal como um todo, como para a Madeira, que, também, sofre os impactos positivos deste maior dinamismo, desta recuperação do turismo.
Penso que é importante aproveitar essa dinâmica no sentido positivo. Mas, o que caracteriza a atual situação é, sobretudo, a incerteza. É, acima de tudo, importante aproveitar os fatores positivos e tentar potenciá-los.
Referiu que há fatores negativos que podem condicionar o crescimento futuro. Que fatores são esses?
Os fatores negativos são aqueles que estão a afetar todos os países. Designadamente, a subida dos preços e os impactos negativos daquilo a que se chama a dinâmica inflacionária, que é muito motivada pelo aumento dos preços da energia, pelo aumento dos preços das matérias-primas alimentares. E tudo isso tem efeitos em cadeia, com repercussões a nível de toda a dinâmica económica.
A questão dos preços é, de facto, um elemento muito importante, porque tem repercussões em termos do poder de compra e dos rendimentos. E uma quebra do poder de compra pode ter, também, impactos recessivos em termos da dinâmica económica, na medida em que diminui a procura.
Por sua vez, esta diminuição da procura pode ter impactos recessivos mais generalizados, e podemos, portanto, estar a gerar dinâmicas que poderão conduzir a uma nova recessão económica internacional, com tudo o que isso tem de negativo.
E a Madeira sofrerá com a quebra de confiança dos turistas… Que estratégia poderá a Madeira ter em conta neste âmbito?
Há duas situações. Como é óbvio, os aspetos que eu apontei ao Turismo em Portugal, aplica-se, também à Madeira. Até porque o peso do Turismo para a Região é muito significativo, a todos os níveis.
Naturalmente que a Madeira sofreu com a retração do Turismo, aliás, quando olhamos para as estatísticas comprovamos isso mesmo, em resultado da covid-19. Logicamente que, tendo em conta a estrutura económica da Madeira, também sofrerá grandes impactos se houver uma regressão em termos da dinâmica da recuperação do sector a que neste momento estamos
a assistir.
Há uma dimensão que, nem a Madeira, nem Portugal, enfim, provavelmente nem os países no seu conjunto poderão ter grande margem para atuar, que passa por saber como evolui o conflito. De um momento para o outro, poderá a situação ser agravada e se gerar uma perda de confiança da parte dos potenciais turistas e estes retraírem-se nas suas perspetivas de férias e de viagens ao exterior. É algo que não dominamos.
Sob outro ponto de vista, o que Portugal, e a Madeira em particular, poderão fazer é valorizarem as suas condições, os seus recursos, e, portanto, serem capazes de se tornarem ainda mais atrativos para o turista.
No fundo, a situação geográfica pode ser, e é, uma vantagem no atual contexto e devemos potenciar isso. Há que valorizar aquilo que temos para oferecer, sobretudo a qualidade. Acho que é muito importante, neste momento, apostar na qualidade, na diversidade da oferta turística. É importante tentar atrair segmentos turísticos de qualidade, que tenham mais impactos positivos em termos da própria dinâmica económica de Portugal e da Madeira.
A posição da Madeira neste momento deve prender-se a que vetores?
A resposta poderá ser estruturada potenciando as nossas qualidades. Agora, repare que nós podemos pensar no turismo e, particularmente, a Madeira pode pensar em termos estratégicos no turismo a longo prazo. Acho que é muito importante começarmos a pensar nesses termos.
O turismo está a se alterar, o perfil dos turistas. O impacto das low-cost, em termos das viagens, também está a mudar o perfil do turista. Julgo que um país como Portugal, e uma região como a Madeira, que são muito dependentes do Turismo têm de pensar estrategicamente o Turismo a médio e a longo prazo. A par disto coloca-se, também, a necessidade de diversificar no plano do Turismo.
E depois há uma coisa muito importante, que no caso da Madeira julgo que isso é decisivo, que é tentar que o Turismo possa constituir um fator de dinamismo da economia a nível interno e possa ter impactos positivos sobre outros sectores de atividade.
Como é que isso se faz?
Julgo que tem de haver, não obstante o Turismo ser um sector importante, uma maximização dos impactos sobre o conjunto da economia e, por outro lado, preparar a economia para receber positivamente esses impactos.
Ou seja, é importante, também, não esquecer a necessidade de uma maior diversificação produtiva. É fundamental e necessário potenciar os recursos locais, as empresas locais de outros sectores, de forma a poderem, também, articular-se melhor com o sector do turismo.
Parece-me ser muito importante, no caso de Portugal, bem como no caso da Madeira, termos uma conta satélite do turismo atualizada, que nos permita ver claramente quer os impactos internos, e, portanto, as relações económicas que se estabelecem a nível interno, como também em termos das relações externas. E isto para podermos planear, podermos pensar estrategicamente uma melhor articulação do Turismo com os restantes sectores de atividade.
Não tenho dúvidas de que a Madeira tem potencial, quer no sector primário e agrícola ou pecuário, que podem ser potencializados na relação com o Turismo, quer na vertente industrial.
E penso que este fórum que vamos ter será um momento importante para uma reflexão a esse nível, evidenciando-se o papel que as pequenas e médias empresas, dos mais diversos sectores podem ter e como podem maximizar a sua articulação com este sector económico importante que é o Turismo.
Que outros desafios se colocam à economia? O que devemos esperar do futuro da economia regional?
Em primeiro lugar, é preciso que todos tenhamos consciência de que estão a produzir-se profundas transformações em termos da economia global, nomeadamente no que diz respeito ao sistema de relações internacionais.
Ainda é cedo para vermos as consequências, mas julgo que é importante pensarmos, também, que a acontecer uma alteração global.
Particularmente no que toca à Madeira, insisto na diversificação produtiva. Nem Portugal, nem a Madeira, podem estar completamente dependentes do Turismo. Isso é o mesmo que transferirmos para o exterior, para fatores que nós não dominamos, a nossa dinâmica económica interna. É importante garantir algumas bases internas de sustentabilidade da dinâmica económica.
Isto é tão verdade para o país, em termos gerais, como para a Região Autónoma da Madeira, ou dos Açores. É fundamental promovermos e favorecermos um desenvolvimento e um crescimento articulado entre as zonas mais ativas e as menos ativas. É importante generalizar as maiores, as melhores dinâmicas de crescimento económico. Portanto, a diversificação produtiva é fundamental, como o é a valorização dos recursos. No caso da Madeira, valorizar os recursos regionais é muito importante.
Há também um outro fator que, no caso da Madeira, eu julgo ser muito importante, que devemos dar uma grande atenção, que tem que ver com a qualificação da mão-de-obra. Se nós pretendemos evoluir para um turismo de cada vez maior qualidade, é importante termos uma mão-de-obra qualificada.
Mas também para a própria diversificação produtiva. A formação, e particularmente a formação de nível superior, onde a Madeira tem indicadores, apesar dos grandes progressos que tem havido nos últimos tempos, mas ainda tem, em termos comparativos com as médias nacionais, alguma carência de quadros de formação superior. Parece-me ser muito importante atuar, também, a esse nível, no sentido de recuperar o diferencial que existe relativamente à média nacional.
A aposta deve passar, também pela ‘Economia do Mar’?
Hoje fala-se muito da ‘Economia do Mar’ e do potencial que está associado ao mar. Acho que a Madeira está particularmente bem colocada para, também, pensar em termos estratégicos o que pode fazer com o mar.
Aliás, se calhar não apenas isoladamente, mas talvez fosse importante pensar de forma articulada com os Açores e, eventualmente até, no âmbito da própria Macaronésia. Hoje em dia fala-se muito das ilhas do Atlântico, que têm, no seu conjunto, um potencial elevado. E penso que esta cooperação e esta articulação da Madeira com os Açores, com as Canárias, e até, eventualmente, com Cabo Verde, já agora estendendo esta cooperação para os países de língua portuguesa, pode haver aqui uma cooperação importante em matéria científica, em matéria económica, de pensar projetos que possam potenciar a relação que a Madeira tem com o mar.
A mobilidade será sempre o ‘calcanhar de Aquiles’…
Esse é outro especto que eu considero, também, importante. E todos nós, que estamos no continente, quando queremos viajar para a Madeira sentimos, que são os preços e a importância das acessibilidades, quer aéreas, quer marítimas. As acessibilidades são fundamentais. É através das acessibilidades que se faz a ligação da Madeira com o resto do Mundo. É, por isso, facilitar esta ligação e que se criem mecanismos de maior integração, quer da Madeira com o continente, quer da Madeira com os Açores. A melhoria das acessibilidades nos diferentes níveis é importante, quer do ponto de vista da circulação de pessoas, quer do ponto de vista da circulação de mercadorias. Esta é, por isso, uma questão estratégica.
Tem alguma proposta para a Madeira?
A necessidade de introduzir, e isto verdade tanto para Portugal, como para a Madeira, a necessidade de introduzir um vetor estratégico, nesse sentido, julgo que poderia ser importante a criação de um fórum de reflexão estratégica sobre a Madeira e a sua economia, que poderia associar as entidades locais do sector empresarial, do Governo, da própria instituição militar. Hoje em dia, quando nós falamos do mar, julgo que a estrutura militar, nomeadamente a Marinha, pode estar associada à estruturas civis, no sentido de haver uma valorização mútua. Além disso, a própria Ordem dos Economistas, através da sua delegação regional, pode ter
um papel muito importante. Aliás, esse é um objetivo, dinamizar um fórum local, de discussão dos problemas da Madeira a longo prazo, obviamente incidindo sobre a vertente económica.
Nesta reflexão estratégica entra o que eu já aqui referi, nomeadamente a necessidade de repensar o Turismo, a necessidade de repensar a forma de maximizar os impactos
do Turismo no conjunto da economia e também a necessidade de repensar quais serão os vetores ou as referências para a diversificação produtiva da Madeira.

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