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Paulo Pereira critica BCE e Bruno Tavares não prevê grandes mexidas no imobiliário

Três anos depois dos arcos-íris pendurados às varandas, o cenário foi pincelado de negro para os que ainda acreditavam que iria ‘ficar tudo bem’. O crédito à habitação não pára de aumentar, pouco ou nada resta do dinheiro poupado durante a pandemia e a economia alemã estagnou após meses de recessão - com graves implicações para os restantes países da Zona Euro.
Ciente de tudo o que estaria por vir, Paulo Pereira foi um dos que nunca alinhou em correntes de esperança, essencialmente porque esteve sempre atento ao comportamento do Banco Central Europeu (BCE).
“A solução das subidas das taxas de juro é a única possível quando se quer combater a inflação. O problema é que o BCE criou esta inflação e não avisou as pessoas que durante estes anos todos andou a imprimir dinheiro para subsidiar tudo e mais alguma coisa, em especial os Governos do Sul da Europa. O pico da loucura foi parar a economia na altura da Covid. Ninguém se perguntou, na altura, de onde é que vinha aquele dinheiro para estarmos todos aqui a viver sem trabalhar”, recorda o economista para depois complementar.
“As pessoas que agora telefonam e perguntam pelo impacto das taxas de juro nunca me telefonaram a perguntar qual era o impacto de se estar a imprimir tanto dinheiro novo. A resposta vem agora. O BCE não está mandatado para salvar economias ou para subsidiar ‘lockdowns’ e agora agarra-se ao seu mandato original, que é combater a inflação, aumentando as taxas de juro para poder acalmar o incêndio que criou. No fundo, já se pode rebentar com o emprego, porque a inflação é um bem maior”, sintetizou.
Notoriamente preocupado com o facto de a inflação “não estar controlada”, o presidente da delegação regional da Ordem dos Economistas redobra a sua apreensão quanto à política económica do BCE.
“O BCE diz que tem uma política económica, mas a primeira parte é que conta: a política. Acredito que poderão começar a descer as taxas de juro, um dia, repentinamente, logo que a coisa comece a ficar insustentável politicamente. Do género, uma recessão profunda na Alemanha e alguns partidos de extrema-direita começarem a ganhar eleições”, sustentou Paulo Pereira, fazendo questão de recordar que vem aí o Inverno.
“As energias estão cada vez mais caras e isso está fora do domínio do BCE. O petróleo está outra vez a subir e o Inverno está a chegar, o que implicará um maior consumo”, alerta, isto a propósito de um dos efeitos provocados pela guerra na Ucrânia.
Apesar de todo este contexto, o economista acredita que não será à conta do novo aumento nas taxas de juro que “as famílias ou as empresas vão ficar muito piores do que já estavam”, até porque esta “é já a 10.ª subida”. As outras nove “praticamente já fizeram o estrago todo”.
Mercado imobiliário vai estabilizar
Quando a notícia pende sobre a subida das taxas de juro vem logo à cabeça o impacto que poderá vir a ter no mercado imobiliário. Bruno Tavares, da Ser Realty, desenha no imediato duas forte possibilidade. O de que “algumas pessoas” vão poder continuar a suportar esta subida e o de que outras “não vão conseguir” manter a prestação “durante muito mais tempo”. “Todas as medidas do Estado ou do Governo Regional são bem-vindas, mas insuficientes para esta subida galopante. Nós nunca tivemos uma subida da Euribor tão acentuada em tão pouco espaço de tempo e o encargo mensal que as famílias têm com o crédito à habitação duplicou.
Vai haver algumas famílias que terão de vender os imóveis, porque não vão conseguir suportar este aumento”, precisa o agente imobiliário, perspetivando “mais pessoas a escolherem taxas fixas para tentarem fugir, no futuro, a estas situações”.
Depois, questionado sobre o paradigma atual do sector, Bruno Tavares assume que já vem notando “o número de novos contratos a diminuírem”, facto que “ninguém pode negar”, mas ainda assim não acredita que a decisão do BCE “vá ditar que o mercado abrande”.
“Mesmo com a subida galopante das taxas de juro continua a ser mais vantajoso pagar uma prestação ao banco do que estarmos a pagar uma renda. As pessoas vão vender para ir para o mercado de arrendamento? Não existe um T3, no Funchal, abaixo de 1.200 euros por mês. Portanto, só nos casos extremos, e falamos, felizmente, de uma percentagem reduzida, entre 5% a 8% - é que as pessoas vão ter mesmo de vender, porque todos os outros, por muito que custe, vão querer manter”, garante o agente.
Apesar desse esforço da maioria dos residentes, Bruno Tavares aponta igualmente à tal percentagem reduzida e às situações em que os proprietários de imóveis avaliados em 300 mil euros “se calhar” terão de os vender “para comprar outro de 200 mil euros”.
“E, novamente, temos aqui o mercado a mexer e a circular. Por esse motivo é que não acredito que haja um arrefecimento muito grande no sector”, admite, deixando a ressalva: haverá um regresso ao passado.
“O que agora vamos ver até final deste ano e, mais acentuadamente no próximo ano, é o mercado a estabilizar, quer a nível de preços, quer a nível de procura. Já não vamos ver aquela corrida, como hoje, em que lançamos um imóvel e no próprio dia temos cinco a seis propostas. Vamos começar a entrar naquilo que seria o normal, que é o imóvel ir para o mercado e levar quatro ou cinco meses a ser absorvido por um preço justo”.
O madeirense, que conta ainda com uma larga experiência como consultor numa instituição financeira especializada, precisamente, no crédito à habitação, lembra que este mercado “rege-se por um princípio muito básico” da lei da procura e da oferta, pelo que mesmo com o aumento das taxas de juro o preço das habitações não vai sofrer qualquer alteração.
“Tendo em conta que o que está a surgir de novo são poucos prédios e com preços que não são para todos os bolsos - o madeirense, com ordenados ditos normais, consegue comprar até 250 mil euros, máximo dos máximos 300 mil euros – significa que tudo aquilo que for construído será para o mercado que tem poder de compra superior a este. Então vamos continuar com falta de produto e, havendo falta de produto, vamos sempre ter o preço dos imóveis a se manter”, clarifica, exceção feita aos especuladores.
“Não haver desvalorização não é a mesma coisa do que deixar de haver especulação, porque se hoje em dia formos aos portais imobiliários, como a Idealista, o que vemos são descidas de preço, mas não é que o valor ao metro quadrado daquela zona esteja a diminuir. O que acontece é que o proprietário tentou especular um pouco, não funcionou, e então está a pôr um preço justo. Aquelas descidas de preço que estamos a ver na Internet, na prática, o que está a deixar de existir é a especulação que tivemos no ano passado, em que se calhar o valor ao metro quadrado em determinada zona era 1.000€ e alguém disse que ia meter a 1.300€ a ver se alguém pegava”, atira.
O agente imobiliário reforçou ainda que “o mercado de crédito à habitação” é atualmente “apetecível para a banca” avisando que “muitas vezes tentamos comparar” a situação atual “com a crise de 2008, mas é preciso ver que na crise de 2008 não havia liquidez”. “E neste momento como é que a banca está na Europa? Está com excesso de liquidez e está faminta por ganhar dinheiro, porque nos últimos anos, com taxas negativas, aquilo que os bancos ganhavam em crédito à habitação era pouco. Quase que era trocar dinheiro por dinheiro.
Agora é o momento em que os bancos querem realmente financiar, porque há muitos anos não tinham margens de lucro tão grandes como estão a ter agora. Os bancos vão continuar a querer financiar, como temos visto até agora”.

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