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O coronavírus promete desestabilizar a vida dos portugueses, para além da crise de saúde pública que se verifica, com contestação para a discriminação de benefícios entre funcionários públicos e privados a subir de tom, mormente num estado de emergência. Paulo Pereira, presidente da Ordem dos Economistas na Madeira


As medidas que vão sendo tomadas em Portugal, no sentido de mitigar os efeitos do combate à pandemia trazida pela Covid-19, com esse apelo para que todos fiquemos em casa, vai já acentuando divisões. E quanto mais tempo demorar esta quarentena, maiores serão as probabilidades de se intensificar aquilo que escrevemos em título, ou seja, que isto, o coronavírus, acabará por virar portugueses contra portugueses.
Em causa está a latente discriminação entre os funcionários públicos e todos os demais, com aqueles a enfrentarem a crise com o conforto de 100%, enquanto o setor privado, aquele que conseguir resistir ao despedimento - porque aí seria mesmo zero euros – e se ficar apenas pela aplicação de lay-off, vai auferir 66%.
Outra medida considerada discriminatória tem a ver com a moratória do crédito à habitação, esquecendo-se dos que têm o senhorio a bater à porta. Para esses, o Governo nada legislou e a solução até parece fácil, conforme testemunho aqui deixado por Paulo Pereira, presidente da delegação regional da Ordem dos Economistas, que ao JM não esconde a sua apreensão.
Mas nessa questão dos inquilinos, já lá vamos.
Comecemos pela discórdia pela insistente discriminação promovida pelo Governo entre os recursos humanos públicos e privados. “Sim, é claro que irá virar portugueses contra portugueses. Estão a criar condições para isso. Aliás, basta dar uma espreitadela pelas redes sociais (também já lá vamos), para perceber o movimento que se está a criar”, diz Paulo Pereira, ressalvando que, contudo, os funcionários públicos depois também não terão razões para sorrir. “Isto é um alerta, porque ninguém quer colocar uns contra os outros. Até porque a seguir os funcionários públicos também serão chamados. O Governo da República, o primeiro-ministro, não têm a coragem de o dizer agora, porque lançariam o pânico, mas isto é óbvio que terá consequências. Vai ter de haver sacrifícios a seguir”, antevê.
Mas sim, o lay-off é bem implementado, é a “medida possível, que tem de ser complementada. E foi, embora tardiamente, com as moratórias dos créditos. Como as pessoas – os privados – vão ganhar menos, e o maior encargo que normalmente as famílias têm é com o crédito à habitação. Essas pessoas vão, em princípio, ter moratória e se calhar irão conseguir ficar numa zona de igualdade”.
Paulo Pereira exalta que “é uma situação de emergência. Ninguém está a fazer isto por gosto. Não vale a pena se vir para aqui com ideologias de esquerda, porque ninguém está a fazer isto por gosto. Pelo contrário, é mesmo para tentar salvar”.
Discriminações à parte, Paulo Pereira mostra-se renitente em relação à funcionalidade do lay-off, principalmente se prolongado no tempo. Lembra que os 66% terão de ser adiantados na íntegra pela entidade patronal. “E como o Estado tem a fama de ser um pagador rápido e bom”, ironiza, pelo que “advinha-se o que vem aí… por isso é que o Governo está tranquilo”.
Lembra que “nos lay-off normais, o Estado demora quatro meses a pagar”, deteta que “agora estão a prometer pagamentos para abril ou maio”, mas mostra muitas reservas que seja exequível. “Penso que irão entrar centenas de milhares de lay-off este mês. As requisições são em papel, as fichas são em papel, as pessoas que o vão executar estão em teletrabalho. Exemplifique-se carregar 20.000 nomes, um a um, e veja-se o tempo que isto vai demorar. Ou seja, mesmo com muita boa vontade, será necessário mais de um mês para fazer este serviço, vamos ver…”.
Sim, confirma, “as empresas podem não suportar o lay-off” naquelas condições”, mas acredita que o Governo da República acabará ceder. “Vamos ter uma situação em que tudo estará em stress, perceberam isso nos últimos quinze dias, por isso é que estão sempre a mudar o lay-off e penso que vão acabar por pagar sem ver, para haver paz social. Pagar primeiro e fiscalizar depois. Se não, corre-se o risco das pessoas nem receberem do patrão, nem estão desempregados, nem estão em lado nenhum…”.

Teremos dificuldade em viver numa sociedade onde uma parte está em casa preocupada com o vírus, porque recebe 100% do salário, e a outra parte, a privada, que tem de se alhear do vírus porque está a sustentar o País. 

Chegamos então à questão da relação senhorios com inquilinos, em que o Governo nada fez, ao contrário da proteção que deu no crédito à habitação. Diz que “inquilinos terão de falar com os seus senhorios e vice-versa. Vai depender da consciência de cada um. Isto tem de ser como voluntariedade, porque e não podemos obrigar os senhorios a fazer o que não querem. Ainda não estamos num país comunista…. Mas temos de encontrar uma forma de ajudar todas as partes, e se o Estado está a facilitar quem deve o crédito à habitação, o que o Estado deveria ter feito era algo do género: em períodos de três meses, o senhorio prescinde de receber a renda e, quando voltar a receber rendas, fica isento de pagar durante um ano o imposto ao Estado, que é de cerca de 25%. Ou seja, o senhorio não recebe durante três meses, mas nas próximas nove prestações, não fazendo retenção, recupera a renda. Era a solução certa para senhorios e inquilinos, mas o Estado quer receber sempre e passa o odioso para os senhorios. O que o Estado deveria fazer era abdicar da sua participação nisto e era suficiente para uma medida equilibrada para todos. Era uma atitude de não perseguir nem privado nem público, porque o que se passa é que perseguem sempre os mesmos”, explana Paulo Pereira.

Governo poderia ter ido mais longe

Paulo Pereira considera que o Governo da República poderia ter ido mais longe na questão de pagamentos dos cidadãos a instituições bancárias, por via de créditos concedidos. “O European Bank Autority (EBA) autorizou que o Governo português fizesse moratórias também para créditos pessoais, cartões de crédito e créditos automóveis. Mas não quiseram fazer. E isso teria folgado ainda mais as pessoas a terem mais dinheiro, até para a retoma que vai ser precisa. Foi uma pena não se ter aproveitado o momento, mas houve aqui uma associação de créditos com consumismo, com luxo, mas não é, porque há muita gente a pagar medicamentos com cartões de crédito”, conforme opinião do responsável mor pela Ordem dos Economistas na Região.


Políticos desconhecem o país real
Reiterando que as empresas podem não suportar o lay-off, tal como ele é concebido, com adiantamentos do patrão, Paulo Pereira denota enormes distâncias no conhecimento real das empresas, entre o arquipélago e o continente. “Os políticos lá, nestes quinze dias, foram se apercebendo e caindo na realidade. Lá não é como cá, em que há contacto muito direto entre entidades e empresas, com o Governo a ter uma melhor noção da realidade. Lá, só nestes quinze dias é que alguém lhes está a levar a realidade de um país que eles desconhecem…” E assim se explica que num curto espaço de tempo o lay-off tenha sofrido já alterações e que esta não seja ainda a produção final. “Acho que o Governo dará ordens à Segurança Social para pagar, sem rede, e depois irá fiscalizar”, vaticina.

Por que não está o Turismo em lay-off?
Dando uma espreitadela nas redes sociais, é de facto possível perceber o nível da discussão que vai tomando a discriminação entre funcionários públicos e privados. E convém que quem tem poder de decisão comece, também, a monitorizar e encontrar soluções, porque a contestação promete endurecer. Curioso, ou talvez não, mas falando com esses mesmos contestatários, ficam-se pelo politicamente correto, mas basta uma ronda para se perceber que aí se despem de temores e dizem o que lhes vai na alma. Todos privados, naturalmente. Entre o que foi possível ler ontem, temos a questão deixada por um facebookiano, no sentido de que “se não há turistas, a Secretaria do Turismo não deveria estar também em lay-off?” O fórum está lançado, com muitas considerações sobre o bem-estar de uns e de outros e o tema parece interessar, com centenas de posts a cada declamação de interesses.
Discrepância de regalias, na mesma sociedade, começa a dar sinais de forte contestação, que poderá aumentar consoante o tempo de duração da crise.

APOIOS Isto vai acabar por virar portugueses contra portugueses

O coronavírus promete desestabilizar a vida dos portugueses, para além da crise de saúde pública que se verifica, com contestação para a discriminação de benefícios entre funcionários públicos e privados a subir de tom, mormente num estado de emergência.No final ficam 20% para a empresa.
Os empregadores devem discriminar o número de trabalhadores que ficarão com contrato suspenso e os que terão horário reduzido. Estes vão receber salário normal pago pela empresa correspondente em proporção ao período normal de trabalho. Os trabalhadores com contrato suspenso vão receber 66% do salário, com 70% da remuneração a ser paga pela Segurança Social, e os restantes pela entidade empregadora. Esta paga, na prática, cerca de 20% da remuneração bruta original, ficando ainda isenta das contribuições para a Segurança Social. O Governo diz esperar fazer a transferência de valores suportados no mês relativo ao do pagamento dos salários.

Sábado 27 de Março de 2020 JM Páginas ECONOMIA 21 e 22

 

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