O Banco Central Europeu subiu, ontem, a taxa de juros em 0,75%, depois de, em julho, ter aumentado 0,5%. Especialistas avaliam impacto e avisam que o acesso ao crédito ficará mais difícil.
O Banco Central Europeu (BCE) anunciou, ontem, o aumento em 75 pontos base, as suas três taxas de juro diretoras, o segundo aumento consecutivo deste ano.
A taxa de juro das principais operações de refinanciamento passa de 0,50% para 1,25%, a taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez de 0,75% para 1,50% e a taxa aplicada à facilidade permanente de depósito de 0% para 0,75%. Esta subida tem efeitos a partir de 14 de setembro.
“O Conselho do BCE tomou a decisão de hoje [ontem] – e espera continuar a aumentar as taxas de juro – porque a inflação permanece demasiado elevada, sendo provável que se mantenha acima do objetivo durante um período prolongado”, refere banco central em comunicado divulgado após a reunião do Conselho de Governadores.
Esta é a maior subida dos juros do banco central e o maior movimento desta dimensão, desde que em dezembro de 2008 o banco central decidiu em sentido inverso descer as taxas de juro em 75 pontos base.
A subida da taxa de juros pretende conter o avanço da inflação, que em agosto atingiu os 9% em Portugal, mas a medida terá custos para quem recorrer ao crédito ou tenha prestações da casa para pagar.
Depois de uma primeira subida anunciada em julho, e já com os consumidores a sentirem os efeitos nas prestações das casas, os portugueses voltarão a sentir este aumento do custo do dinheiro, que será de várias dezenas de euros para um crédito à habitação de, por exemplo, 100 mil euros.
Paulo Pereira, presidente da delegação da Madeira da Ordem dos Economistas, vê “poucas ou inexistentes” vantagens na subida da taxa de juros, mas lembra que a inflação “está descontrolada, como era previsto por qualquer bom economista, exceção dos do BCE”, depois de “anos e anos de taxas de juros negativas para financiar os défices constantes dos estados-membros”.
Paulo Pereira diz que a solução encontrada no último meio século para combater a inflação foi sempre aplicar “taxas de juros reais positivas, ou seja, acima da inflação”, mas com os atuais valores próximos dos 10%, tal medida “significaria o colapso”, dado o nível de endividamento dos países, empresas e famílias. Por isso, a subida de 0,75% é um “mero sinal” de que os responsáveis pela política monetária do bloco “estão preocupados agora com a inflação”.
O aumento não será suficiente para baixar a inflação, mas deverá “acelerar o processo recessivo que já se está a sentir um pouco por todo o mundo – e que na Europa será mais significativo”, “tirar poder compra às famílias e às empresas” e tornar “o acesso à dívida nova mais difícil e mais caro”.
E a retirada de poder de compra irá atingir os negócios no setor imobiliário na Madeira, seja de luxo ou não, porque “as pessoas acedem ao crédito”, antecipa Paulo Pereira.
Mesmo assim, a Região poderá não ser tão prejudicada por causa da sua dimensão. “É um mercado tão pequeno que pode ser que não sintamos”, admitiu o economista, embora “só o tempo mostrará a verdadeira força do mercado imobiliário de luxo na Madeira”.
Paulo Pereira prevê ainda que o aumento dos juros produzirá um efeito no turismo. “Os turistas vão pagar mais pelos seus empréstimos nas suas terras, o que significa que vão ter menos dinheiro disponível para gastar no principal setor económico da Madeira, o turismo, a não ser que o novo perfil de turistas que nos visitam seja de pessoas mais ricas e menos sensíveis a uma perda de 300 a 400 euros, por mês, em cima do aumento das contas de energia e de supermercado”.
Por seu turno, Gonçalo Câmara, presidente da Mesa da Promoção e Mediação Imobiliária da ACIF, concorda que a subida da taxa de juros “vai dificultar” as operações no ramo imobiliário e produzir impacto nas prestações dos créditos de habitação, mas espera não seja suficiente para afetar o “momento interessante” que o setor está a viver, e “que, entretanto, as coisas melhorem”.
Já a classe média madeirense, com menor folga financeira, sentirá os efeitos da subida dos juros. “Para um madeirense da classe média que tem possibilidade de comprar a sua casa recorrendo ao banco, evidentemente que isso afeta. Vai afetar não só aqueles que querem comprar, mas também aqueles que já têm créditos contraídos”, afirmou.
Mercado do luxo dá margem maior
A Madeira assiste hoje a várias edificações dirigidas para um segmento de elevado padrão, tentando aproveitar o momento que, em particular, as ilhas atlânticas estão a viver, de serem consideradas lugares seguros e cómodos, perceções relevantes depois de uma pandemia e a meio de uma guerra no leste europeu.
“Fizeram-se muitos investimentos a pensar nesse setor”, e menos direcionados para o madeirense em geral”, porque é “um negócio mais aliciante para os promotores”, reconhece Gonçalo Câmara, presidente da Mesa da Promoção e Mediação Imobiliária da ACIF.
O responsável referiu ainda que a subida do preço das casas na Madeira não decorre principalmente da inflação, mas da forte procura dos investidores. Alerta, no entanto, para a volatilidade da conjuntura atual impede a realização de previsões seguras, nomeadamente, sobre quanto tempo durará este interesse estrangeiro.
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